Patrimônio Cultural Imaterial
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18 de agosto de 2022Cristina Ávila
Je vous Salue Marie
Entre todas as mulheres santas, Maria ressalta como a mais importante das personagens cristãs. Alvo de fé. Símbolo do feminino. Parte significativa da vida de milhões de pessoas que se identificam com as emoções sofridas pela Mãe de Cristo, o “rosto materno de Deus”.
Para compreender o culto a Nossa Senhora em Minas, é preciso antes relacioná-lo à religião aqui implantada, ainda nos primórdios coloniais. O catolicismo que se instala na região baseou-se mais em concepções devocionais do que propriamente na reflexão teológica, dando a essa fé características peculiares. Com a ausência de uma ação missionária direta, foi com a iniciativa leiga que se estruturou a Igreja dos primeiros tempos. É através das mãos de portugueses povoadores, bandeirantes, desbravadores do sertão e até mesmo de índios e negros escravizados que se propaga a fé local.
A religiosidade mineira, no entanto, é análoga à fé portuguesa popular, que exprime ainda formas herdadas do medievo, no qual é mais importante evidenciar do que entender a doutrina católica. Assim, são as procissões, as romarias e as festas que vão marcar o interesse desse incipiente cristianismo que, mais tarde, se transformariam em formas típicas das manifestações de uma crença interiorana e ingênua ainda encontrada junto ao povo mineiro. Exemplo disso são as presenças de congados, reisados em festas tradicionais como a de Nossa Senhora do Rosário.
É o famoso Concílio Tridentino (1545 a 1563) que aconselha o culto à Virgem Maria, indicando a observância deste em todas as nações de fé católica. Mas, no Brasil, são os jesuítas e, posteriormente, os franciscanos os principais responsáveis pela divulgação do culto a Nossa Senhora. São inúmeras as capelas, igrejas e mesmo pequenas vilas e aglomerados urbanos que surgem sob a invocação da Virgem em seus variados títulos.
Em meados do século XIX são introduzidas entre nós as comemorações do Mês de Maria, em maio (inicialmente, a Mãe de Deus era lembrada em setembro), tomando essas maior impulso com a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 1854. Entre as celebrações feitas por ocasião do mês de maio, a “Coroação de Maria” é a que se torna a mais popular, com seus anjos, pajens e cânticos. Mas, por essa ocasião, acontecem também as novenas, as ladainhas e as bênçãos.
A história bíblica de Maria resume-se quase que somente a aspectos do nascimento, infância e paixão de Cristo. Segundo os evangelhos (Mt, Lc, Mc, Jo), as cenas em que a Virgem aparece são: o casamento com São José, a Anunciação, Visitação a Santa Isabel, a adoração do Menino Jesus, Apresentação de Jesus no Templo, Jesus entre os Doutores, Maria aos Pés da Cruz. Sabe-se, tradicionalmente, que Maria é filha de Sant’Ana e São Joaquim. No entanto, essas informações derivam de um escrito apócrifo (sem autenticidade) conhecido como “Protoevangelho de São Tiago” (século II), que, entre outros dados, refere-se ao nascimento de Maria, ocorrido vinte anos após o casamento de Ana. Esse relato assemelha-se à narração bíblica do nascimento do profeta Samuel, cuja mãe se chamada Hannah. Nas representações iconográficas, Sant’Ana sempre aparece com Maria menina, ensinando a filha a ler (Sant’Ana Mestra), ou de mãos dadas com a Virgem, quando é chamada Sant’Ana Guia.
São inúmeros os cognomes da Virgem Maria, sendo que esses se relacionam a episódios bíblicos, a dogmas, ou às suas várias aparições a santos e ao povo, em que a condição da maternidade se expressa de forma preponderante. Conta-se que, no Brasil, a primeira imagem representativa da Virgem teria chegado no próprio dia do descobrimento, com a expedição de Pedro Álvares Cabral e teria sido uma Nossa Senhora da Conceição. Essa devoção é, pois, reconhecida como padroeira do Brasil nos princípios do século XIX, ainda no período imperial, só sendo substituída na República por Nossa Senhora da Aparecida – imagem de barro encontrada nas águas do Rio Paraíba do Sul –, que, por ter sido encoberta por lama, é representada iconograficamente por uma Imaculada Conceição negra.
Reconhece-se uma Virgem da Conceição através de seus atributos. Nessa representação, a Senhora está de pé sobre o globo terrestre, tendo as mãos unidas em oração ou cruzadas sobre o peito e os olhos voltados para o céu, esmagando com os pés uma serpente (símbolo do pecado original). Em algumas imagens, a serpente pode ser substituída por um dragão, sem perder a essência da fé. Os cabelos são longos, caindo pelos ombros, a túnica branca e manto azul, apresentando, às vezes, a Coroa Real. Sob seus pés aparece finalmente uma lua crescente, surgindo em algumas peças grupos de querubins (pequenas cabeças de anjos). Em Minas, no entanto, são comuns as imagens onde a iconografia surge incompleta.
Muito interessante e significativa é a devoção à Virgem Grávida, designada sob o nome de Nossa Senhora da Espera ou Esperança e conhecida entre nós por Nossa Senhora do Ó e, mais popularmente, por Nossa Senhora do Bom Parto ou do Bom Sucesso.
Origina-se especialmente de Portugal e Espanha, onde o tema toma-se mais frequente em fins da Idade Média. A representação da Virgem Grávida não teria, entretanto, grande duração, por medida proibitiva da própria Igreja, que considerava essa devoção sujeita à má interpretação, a desvios de conhecimento litúrgico e, portanto, perigosa. O templo mais peculiar dessa representação encontra-se numa simbólica capelinha barroca dedicada a Nossa Senhora do Ó, em Sabará.
Temos ainda como devoções essenciais Nossa Senhora do Carmo, ligada à sua aparição no Monte Carmelo, Nossa Senhora do Rosário, protetora dos negros, Nossa Senhora Mãe dos Homens, aquela que protege todos os homens, Nossa Senhora do Pilar, que se torna o apoio firme diante das peripécias da vida, e Nossa Senhora das Mercês ou Misericórdia, que guarda sob seu manto as aflições humanas, os condenados e os pecadores.
Nossa Senhora do Rosário
Autoria desconhecida – Século XVIII
Minas Gerais – Madeira / entalhe, policromia, douramento
Coleção Geraldo Parreiras / Acervo Museu Mineiro
Foto: Daniel Mansur
Muitas santas mulheres seguiram a inspiração de Maria, na fé ou na recomendação da castidade e conquistaram a devoção de inúmeras de pessoas. Além de Sant’Ana, temos nesse rol Maria Madalena (santa e pecadora), Santa Bárbara (padroeira contra os trovões), Santa Mônica (viúva e mãe de Santo Agostinho), Santa Cecília (santa dos músicos), Santa Isabel (prima de Maria e mãe de João Batista), Santa Luzia (protetora dos cegos), Santa Verônica (a que enxugou o rosto sofredor de Cristo), entre inúmeras outras. São nomes que muitas mulheres ainda portam, creditando a fé popular como muito presente em lares brasileiros e mineiros. É um fenômeno também visível o grande número de meninas contemporâneas que carregam o nome Maria, o que comprova que a Santa Mãe nunca foi esquecida.
Algumas santas mulheres foram sincretizadas pela fé popular e na Umbanda – religião de matriz afro-brasileira –, sob o toque de atabaques, aparecem como Ciganinha (Maria Madalena), Iansã (Santa Bárbara) e as Virgens Marias representadas como Oxum ou Iemanjá, duas senhoras das águas que propiciam boa pesca em mares e rios. Para Santo Anselmo, Maria significa senhora ou soberana do mar (Domina Maris). De acordo com São Jerônimo e São Bernardo, ela seria a estrela do mar (Stella Maris). Essas figurações unem-se a Deus (oxalá sincrético), como princípio gerador feminino.
Temos também a avó Nanã, nossa Sant’Ana, de olhos abertos sobre os jovens, nossos descendentes. Segundo a lenda, foi Nanã quem trouxe a lama até Oxalá para que este fabricasse os homens. Sant’Ana como mãe de Maria tem uma cadeira principal na academia das vidas mais simples e sinceras das mulheres santas. Sob toque de tambores e batuques, essas imagens de santas e mulheres que ora apresentamos ainda descem ladeiras e morros das Minas Gerais em procissões, tendo sempre como a maior de todas as mulheres a Virgem Maria. A figura imagética da mulher, tendo ela como símbolo maior, está também preservada e cantada em verso e prosa nas ladainhas, orações e cantigas populares. Nos terreiros sacodem-se as saias a Oxum e Iemanjá, enquanto nos rituais católicos populares é coroada e adorada em terços, mantos e velas.
A Mãe dos Homens, crença que se fundamenta no símbolo materno, expressa toda a possível (ou impossível) pureza e abriga em momento de aflição todos aqueles que um dia aprenderam a dizer: “Ave Maria Cheia de Graça”. Restam, portanto, como consenso de todos os herdeiros de uma religiosidade ao menos peculiar, as palavras: “Je vous salue Marie”, como as proferiu Jean-Luc Godard – o vanguardista cineasta franco-suíço – em seu filme emblemático.
Imaculada, mãe e mulher, em todos seus diversos títulos, expressa a crença na Rainha de todos os humanos. Divindade – luas, luzes e mares – que nos socorrerá em todos os momentos, até nossa morte. Amém.